Seguindo os relatos sobre a 34° Oficina de Música de Curitiba, compartilho um pouco da incrível vivência com o trombonista Sergio Coelho e os alunos da oficina de Interpretação e improvisação para instrumentos melódicos. Além da inquestionável habilidade musical, o trombonista Sergio (ou Serginho, como todos chamam) é um grande amigo e ser humano. Durante os dias em que pudemos conviver, dividiu inúmeras experiências que vão muito além da prática musical, mas que estão intimamente vinculadas no momento em que tocamos. Tais quais a capacidade de ser flexível, ouvir os outros músicos e se encaixar no som... para isso é preciso um pacto de amizade e abstenção do ego: tudo pela música! Ao longo dos dias trabalhamos extensivamente a prática de naipe, em duos ou trios. Nestes momentos era preciso pensar cada nuance e encontrar um caminho para soar melhor em conjunto. O objetivo era deixar tudo expressivamente mais claro - mais declarado, nas palavras de Sergio. Assim, staccato, legato, diminuendo, crescendo, glissando; todas as articulações e nuances precisavam estar esclarecidas e acordadas. Todo mundo tem um jeito de tocar Garota de Ipanema, por exemplo. No entanto, na hora de tocar junto é preciso encontrar um outro modo, que combine as particularidades de cada instrumento e de cada instrumentista. Exercício grandioso! Parece que tudo que eu tocava antes da oficina tornou-se novo e extensamente explorável... de quantos jeitos bonitos uma mesma frase pode ser tocada? Como declarar a rítmica impressa em cada frase e transparecer a intenção de cada nota? Trabalho árduo, mas estimulante.
Neste sentido, o professor trouxe uma lista de sugestões para escuta - as quais disponibilizarei para aqueles que tiverem interesse, basta me procurar no facebook. Dentre elas, vale destacar uma obra prima até então desconhecida por mim e intitulada "O LP". O grupo responsável pela musicalidade esbanjada ao longo das doze faixas do álbum era chamado de Os Cobras:
"Grupo formado no começo dos anos 1960 pelos músicos Tenório Júnior
(piano), José Carlos “Zezinho” (contrabaixo), Paulo Moura (sax alto),
Meirelles (sax alto e flauta), Raul de Souza (trombone), Hamilton
(pistom) e Milton Banana (bateria). Lançou, em 1964, o álbum “O LP”, contendo as faixas “Depois de amor”,
“Praia”, “Uganda” e “Menina demais”, todas de Orlandivo e Roberto Jorge,
“Adriana” e “Moça da praia”, ambas de Roberto Menescal e Luis Fernando
Freire, “Mar amar” (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), “Quintessência”
(Meirelles), “Nanã” (Moacir Santos e Mário Telles), “40 graus” (Orlando
Costa ''Maestro Cipó''), “Chão” (Amaury Tristão e Roberto Jorge) e “The
Blues Walk” (C. Brown). (...) O disco, produzido por Roberto Jorge, contou
com a participação de Roberto Menescal (violão), Ugo Marota (vibrafone),
Cipó (sax tenor), Aurino (sax barítono) e Jorginho (flauta)."
fonte: http://www.dicionariompb.com.br/os-cobras/dados-artisticos
No disco está tudo realmente "declarado". É possível ouvir nitidamente articulações e intenções; Raul de Souza, em especial, é um mestre neste quesito. Segue link para apreciação! Logo, mais textos sobre a 34° Oficina de Música de Curitiba!
A 34° Oficina de Música de
Curitiba foi uma enxurrada de experiências positivas e engrandecedoras. Ao
retornar pra casa, refletindo sobre tudo, achei interessante compartilhar tudo
isso de forma detalhada... Em parte por pensar ser uma forma de retribuição por
aquilo que pude vivenciar e outro tanto pra matar um pouco a saudade - ou a sodade, como logo irão entender no
discorrer da leitura deste texto. Resolvi separar os assuntos que surgiram e
contar com calma, para não perder nenhum detalhe e aproveitar cada assunto de
maneira mais aprofundada. A tendência, quando temos muita informação
disponível, é não aprofundar em nada específico e, com o passar do tempo, o que
poderia ser uma oportunidade de aprender sobre muitas coisas acaba tornando-se
apenas mais uma curiosidade não desvelada. Bem, vamos ao que interessa!O primeiro momento o qual me impressionou por
lá foi - após o dia inicial de oficinas – o momento em que conheci o Teatro Paiol.
No estilo arena, o local é muito aconchegante e intimista, oferecendo uma
acústica perfeita que quase dispensa microfonação. Mais do que espaço físico
- o qual sem duvidas contribuiu para a apreciação do espetáculo - o que
verdadeiramente me emocionou e fez refletir naquela noite de segunda feira -
dia 18.01.2016 - foi a qualidade sonora e artística apresentada pelo Trio
Sodade (ou Trio Saudade, no português brasileiro). Como explicado pelo grupo
durante a apresentação o nome foi assim escolhido porque os integrantes Paulo
Bouwman- Guitarra/voz, Floor Polder - flauta transversal/voz e Marcos Santos -
percussão/voz tem um ponto comum que os une em sentimento: a saudade. Palavra
tão bonita e única do idioma português que, como pudemos notar, tem sua
variante em outros lugares do mundo, neste caso em Cabo Verde. Sim, o que os
une é saudade de casa. Paulo Bouwman é de cabo Verde, Floor Polder da Holanda e
Marcos Santos de Portugal e viajam pelo mundo com sua música. A pergunta que
fica é: que tipo de som essas pessoas tocam? A resposta é bastante
inusitada... O repertório é constituído quase em sua totalidade por música
brasileira! Na verdade, eles mesclam a música brasileira e a cabo-verdiana, as
quais se misturam sem nenhum problema. Segundo seu vocalista, essas músicas têm
muitíssimo em comum. Pensando um pouco melhor fica bastante evidente a
proximidade, já que Cabo Verde teve também colonização portuguesa. Lá a música
europeia chegou e – como aqui - teve de se adaptar ao ritmo e ao suingue da
cultura africana (dentro de suas múltiplas tendências e origens – o que seria
tema para outro texto específico sobre o assunto). Talvez lá influência africana
tenha se manifestado com maior intensidade do que aqui, pois estava mais
próxima de seu local de origem. Mas isso são somente achismos meus, afinal
muitas vezes quando nos afastamos de nossa terra natal o que sentimos em
relação ao que é peculiar de lá ganha mais intensidade somado à saudade que carregamos...
O que para mim explodiu como uma descoberta no momento foi: imaginemos quantas
formas peculiares essa fusão assumiu nas diferentes regiões colonizadas
pelos portugueses, onde a música europeia encontrou a africana. Digo isso pois
tenho procurado conhecer mais sobre a nossa música original, o choro, e cada
dia me surpreendo com a quantidade de grandiosos e desconhecidos compositores que fazem
parte da nossa história! Trabalhos recentes realizados por pessoas como Almir
Chediak, Mario Sévi, Mauricio Carrilho – dentre outros, tem nos mostrado que o
Brasil precisa ser redescoberto... Ainda não consegui dispor de tempo para
sanar uma curiosidade: se aqui demoramos tanto, será que nestes outros países
que tiveram uma história parecida em relação à colonização, diga-se Guiné-Bissau, Moçambique, Angola, etc.; -
existe um trabalho deste teor, que reúna os compositores locais e resgate seus
trabalhos? Buscamos estrelas, planetas e galáxias, mas ainda temos muito o que
descobrir por aqui! Quem quiser ajudar na pesquisa e complementar este post com
comentários por favor fique à vontade. Grato pela a atenção! Espero logo postar
a sequencia das experiências vivenciadas no festival e, mais adiante, revistar
tantos temas interessantes com mais profundidade.... Até logo!
Trio Sodade Concert, Teatro Paiol em Curitiba/PR. Fonte: Facebook/triosodade.